terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Chá Russo - Uma resposta para um teatro sem nenhuma encenação.


Penso todos os dias comigo mesma em como é que você foi parar tão longe. Como se o pensar em você me deixasse mais próxima do final desse labirinto bizarramente lamacento que é tua mente. Não disse em nenhum momento que sou sã, meu bem, não pense isso, pois por mesmo que eu mentisse dessa forma sei que você riria quando olhasse a podridão que anda a minha receita médica, cada consulta um novo comprimido ou uma nova miligrama de felicidade ou sanidade. Agora mesmo que eu havia escrito na parede branca do meu quarto que sou normal de novo. Tanta falsidade moral junta. Eu já fui normal um dia? O que torna a gente normal? Adoro esse tipo de melodrama existencial-poético-fútil-amargo como nossos corações que foram jogados num pote sujo de formol. 
Mas você não poderia ter escolhido lugar melhor para se livrar de si mesma – E de um pedaço de mim também. Moscou é lindo, tão lindo quanto esse sentimento louco e obsessivo que continuamos cultivando uma pela outra, quer dizer, que ao menos eu ainda cultivo por tua pessoa e pelo o que restou do teu corpo depois de tantas garrafas de vinho barato uncool acompanhadas de cigarros que eram fumados daquela forma desesperada, esse teu corpo que por sinal agora está neste aeroporto solitário vendo essas vidas apáticas e monótonas passando pelos corredores do saguão, sei que permanece sentada numa cadeira afastada de tudo e com medo de que alguém chegue e venha dizer alguma coisa como eu disse. Para onde você está indo? Ah, sim, Moscou é lindo, frio, literatura e chá russo.
Eu iria para Moscou com você se me sentisse somente um pouco segura ao teu lado: Refaço. Segura comigo mesma a ponto de me deixar partir contigo para um lugar que fizesse serem realizados todos aqueles desejos que são tão mais bonitos quando são somente desejos, afinal, sonhos e desejos não foram feitos para serem realizados, somente para nós ficarmos degustando o gosto docinho deles no meio da amargura podre que é o resto da nossa vida. Não vamos tomar chá russo juntas, meu amor, não vamos, mas você pode ir sozinha, te deixo aqui, bem aqui, no mesmo lugar onde há anos atrás eu te vi pela primeira vez e te fiz aquela pergunta, mal sabíamos que nossos destinos iriam se juntas dessa maneira, não é? Eu nunca acreditei em acaso ou destino, nunca acredito nessas merdas que me fazem pensar e discordar dos meus próprios princípios, anti-princípios. Mas não se zangue comigo, por favor, prefiro ver do teu rosto escorrer uma daquelas lágrimas que estão expostas com: “Poderia ter sido tão diferente...” do que um sorriso malicioso de raiva ou descaso. Sou a prova viva de que altruísmo é a maior mentira inventada pelo ser humano depois de Deus.
Sinto que no meio dessa tua viagem de liberdade espiritual conhecerá um rapaz bom, daqueles ruivos todos cobertos - Por causa do frio macabro que invade Moscou nessa época do ano - de barba mal-feita que te olhe bem nos olhos e diga: Leonina com ascendente em Touro e Lua em Sagitário ou é só impressão? Desses também que você nem vai se apaixonar de verdade, mas vai gostar de brincar de jogo de poder com ele, manipulação sempre foi nosso forte. Ah, sim, mas voltando, não posso ir contigo por diversos motivos, um dos mais claros é que não tenho roupa suficiente para suportar tanto frio. Não estou inventando desculpas esfarrapadas nem nada, mas agora? Está muito cedo. Não dei comida para meu rato branco roubado de uma caixa de Skinner e nem fumei o meu charuto que disseram ser Cubano com aquela pose Freudiana de sentar na porra da poltrona de couro sintético e citar bostas existencialistas que nem eu mesma consigo entender.
Devoramos o que sobrou dos nossos corações cobertos de formol quando você decidiu ir para Moscou. Por que tão longe? Não sei o restou de mim aqui. Só sei que não consigo mais escrever coisas bonitas depois que paramos de trepar. Sei que teu plano inicial era Sri Lanka como naquele texto grotescamente bonito do Caio. Mas sei que você não é louca, digo, não é louca diferente de mim, nossa loucura é o que nos move, sem ela só sobra essa porra de vazio que só é preenchido com a dor, precisamos de dor, ela é necessária, precisamos da insanidade por que é ela que nos torna um pouco mais sãos de todas as bostas que fazemos. Lembre-me, numa carta, de nunca dizer isso para meu analista, pode ser fatal. Se o problema é o medo da solidão, não se preocupe, ficará bem com teu novo amor que acabará de pular d’um livro do Dostoiévski e teus novos amigos com nomes escrotos cuja pronúncia é quase impossível. Enquanto tu vai se divertir com teu copo de Chá Russo eu ficarei aqui cuidando do teu apartamento simples e charmoso como se você fosse voltar no dia seguinte. Ando tão exausta e cansada disso tudo, dessa história falsa e suja de amor. Sinto falta do tempo que em que meu sorriso era bonito e minha voz era suave de verdade, não monga pelo resultado de anos tomando Clonazepan, se é que você me entende, acabamos ficando com cara de pão amanhecido os outros acham até que somos pacíficos, mas somente estamos dopados de novo.      
Meu chá está esfriando e se deixar esfriar de verdade não conseguirei mais beber. Isso também acontece com meus sentidos, estão esfriando e logo não poderei mais usá-los. Para finalizar, direi: Me espere num café perto da tua nova casa quando a chuva estiver para nascer e a única coisa que o céu tenha o poder e a pureza de expressar sejam aquelas pequenas gotículas d’água que caíram sobre teu rosto. Fará mais frio de costume e eu sentirei que você estará pensando em mim, então pegarei o primeiro avião para Moscou, apreciarei a paisagem solitária e mórbida do aeroporto só de pensar que em tão poucas horas estarei ao teu lado, pronta para te cobrir e te tirar das garras ruivas do novo amor. Sentarei numa cadeira de pernas cruzadas para poder dividir contigo a sutileza de tomar uma xícara de Chá Russo de verdade.


Logo que minha sanidade permitir. 

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